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segunda-feira, 8 de março de 2010

ESCADAS DA SÉ - TEXTO INAUGURAL


As escadas da Sé são palcos nus que mostram pessoas as mais diversas; turistas, sem-teto, distribuidores de adesivo de Nossa Senhora, pessoas que cansadas de procurar emprego, não sentem-se tão dignas de entrar na casa de Deus, e ficam entre o mundo profano e o mundo onde tudo falta, inclusive quem os ampare e diga o que fazer. O boliviano que vende CDs de música Andina, o homem que chama atenção com o bonequinho filiforme que foi batizado de "Chiquinho", as ciganas, "buenas Dichas" que pescam mãos ingênuas para dizer coisas que a todos preocupam, e nunca foram percebidas; o homem que comanda horrendas mãos de borracha, como aquela da Família Adams, pessoas que assistem o vai e vem na praça, mais adiante o pregador eloqüente, o homem que estala seu chicote, pula em um aro com facas em sua borda, às vezes, o corre-corre dos camelôs perseguidos por homens de jaleco amarelo assessorados por homens de azul, guardas municipais que tornam em segundos o centro em verdadeira pista de maratona com carregamento de diversas caixas, bancas, sacos, gritos e sinais que mostram que a cidade pulsa ao tom da guerra entre o certo e o errado, o legal e o clandestino, e assim a cidade se forma a cada instante, se transforma em palco de dança, dor e sangue que tinge os passeios na noite fria, obra de covardes dissimulados, seres sem alma, duais e comprados por quem não aceite dividir seu espaço com quem já não tem sequer espaço.

As escadas da Sé, são palcos nus da falta de amor, da falta de consciência coletiva que deveria perceber que aqueles que morreram nas madrugadas do holocausto, fazem falta; fazem falta porque quanto menos mendigos vagam por aí, menos se pode perceber que ainda se exclui, abandona, ignora e desvia de pessoas que se deixaram levar por adversidades; o "Pantera", e tantos outros são os atores de uma peça que nunca sai de cartaz, ainda que se mudem os atores, mesmo a direção, que varia conforme a ideologia e até mesmo a moda do momento - a moda, agora é matar quem não pode se defender, e o único erro que cometeram, foi o de escolher a calçada fria como lar.

*Este texto foi escrito na época da onda de assassinatos de moradores de rua(1994), daí a menção ao Pantera, tido como um dos mártires desta triste passagem na cidade.

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